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resumos

CAMPO E ABRANGÊNCIA DO ARQUIVO EM FOUCAULT

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De modo análogo a outros conceitos organizadores de sua pesquisa - como ocorre com os termos discurso, epistémé, dispositivo, enunciado - Foucault lança mão da noção de arquivo sem propor para ela uma definição estável, modalizando-a de acordo com as práticas exigidas por cada uma das suas investigações. Nesse sentido, o arquivo não pode ser lido como o receptáculo inerte de um material à espera de análises, mas como o conjunto mesmo de estratégias que, imanentemente às operações de síntese provisória que cada livro propõe, depende dos interesses específicos que configuram seu objeto. Ainda assim, Foucault parece se manter no limite da positividade dos enunciados presentes no arquivo e não considera duas possibilidades alternativas. Em primeiro lugar, a de que seria possível pensar o arquivo a partir não desta positividade, mas da violência dos silêncios que ele instaura. Em segundo lugar, a de que a própria normatividade que se manifesta nos enunciados não se esgota em signos visíveis: ela também produz uma economia da invisibilidade cujo genealogia ainda está por ser feita. A partir dos trabalhos recentes de Christina Sharpe e Dionne Brand, minha proposta é sondar os limites da noção de arquivo em Foucault, considerando sua incapacidade de lidar com certos problemas erguidos pelo afrofuturismo e outras reflexões sobre violência epistêmica.

FRAGMENTOS DE UM ARQUIVO SUBMERSO: A LITERATURA

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Entre algumas passagens dos anos sessenta, mais precisamente na triangulação loucura-linguagem-literatura, encontram-se representações que descrevem, nem sempre no centro das discussões, o discurso literário em Michel Foucault. Partindo das margens que circunscrevem o livro Raymond Roussel, publicado em 1963, e passando por outros escritos sobre literatura e loucura, buscamos deixar-nos conduzir por caminhos que levam a manifestações aquosas em direção ao limite da linguagem, quando esta só pode comunicar ao se afastar do estatuto do real e da razão. A presente comunicação nasce da tentativa de desenhar um percurso que não responda o que a literatura é para Foucault, mas, entre as múltiplas formas que a linguagem autoriza, o que ela pode ser.

O GOVERNO DA VIDA NO NEOLIBERALISMO E A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO (2010-2020)

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Este trabalho apresenta um diagnóstico crítico da expansão universitária ocorrida no Brasil, entre os anos de 2010 e 2020, destacando a forte atuação de grupos empresariais privados. A partir de um corpus de fontes heterogêneas – tais como dados quantitativos do censo da educação superior divulgados pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), análise de discursos jornalísticos, fontes jurídicas etc. – mostramos que essa expansão foi financiada por meio do investimento público que levou sobretudo à expansão do ensino plataformizado à distância (EAD) que, por sua vez, gerou redução de postos formais de emprego, a heteromação do trabalho e sua consequente precarização (CASILLI, 2019). Adotamos a perspectiva de análise foucaultiana, realizando uma ontologia crítica do presente a fim de refletir sobre novas formas de resistências às políticas educacionais vigentes, que incluam a valorização dos profissionais de educação, geração de empregos formais assegurados direitos trabalhistas e a melhoria da qualidade do ensino superior no Brasil.

UM ARQUIVO DE AREIA

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O arquivo foucaultiano não é um arquivo comum. Ele não pode – e nem deve – ser compreendido com um conjunto de papéis guardados para a posteridade, mas como um sistema próprio de enunciabilidade fundamentado em práticas discursivas. Nesse sentido, o método arquivístico de Michel Foucault impede que as coisas se acumulem como uma massa única e se inscrevam numa linearidade sem rupturas e possibilita o agrupamento de figuras distintas e de “famílias monstruosas”. O arquivo foucaultiano não unifica um discurso, mas os diferencia em uma existência múltipla, definindo uma prática que revela a variedade de enunciados. Essa metodologia, que é também uma prática de agrupar objetos, possibilita um exercício de liberdade situado na fronteira entre a tradição e o esquecimento, promovendo as regras de um sistema que permite se modificar regularmente. A montagem de um arquivo em termos foucaultianos possibilita a desarticulação de uma certa tradição bibliográfica e historiográfica imobilizadora dos discursos, tornando possível produzir outras coisas, outros objetos, outros saberes e outros modos de fazer filosofia, tal como o livro de areia no conto de Jorge Luis Borges.

A NOÇÃO DE DISPOSITIVO FOUCAULTIANA

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A apresentação presente é uma tentativa de esclarecer a noção de dispositivo no curso apresentado por Michel Foucault chamado Segurança, território e população. Conhecer esse conceito é acompanhar o processo argumentativo feito pelo autor para responder como é possível o estabelecimento do Estado como uma instituição soberana que não teve nenhuma justificativa além da sua própria existência. O dispositivo não é um conceito exclusivamente do curso analisado, já tendo sua aparição anos antes, entretanto aqui é colocado seu contexto econômico de surgimento e aplicação junto às questões da biopolítica e do surgimento do liberalismo. Será analisado, portanto, o que é um dispositivo e suas construções.
A análise dos dispositivos evidencia como a relação entre governança, economia e segurança transformou-se ao longo dos séculos. Marca uma mudança significativa não só com a forma de lidar com as questões presentes, mas observando toda a população como uma problemática sempre emergente e que não deve ser entendida, mas sim permitida ao mesmo tempo que a direccionada dentro do sistema de controle.

QUANDO O GROTESCO É INDISPENSÁVEL
AO PODER

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A partir de uma breve apresentação dos princípios teóricos da analítica foucaultiana do poder, situo as suas considerações sobre aquilo que Foucault chama da forma ubuesca do seu exercício. Esta forma grotesca de poder, operada com o recurso da ridicularização que desqualifica inclusive aquele que o exerce, tem o efeito paradoxal da ampliação dos seus poderes estatutários, uma vez que o seu agente passa a não mais se limitar àquilo que seria identificado como sua função razoável em um dado contexto social. Deste modo, o grotesco mostra-se indispensável ao poder que busca estabelecer um estado de dominação, interditando as vias de resistências advindas da razoabilidade e dos valores compartilhados que ligam governantes e governados a uma racionalidade que institui os limites das ações. Assim também, a possibilidade da crítica, como interrogação das relações entre verdade e poder, torna-se inviável na ausência de espaços para a reversibilidade das relações de força, quando os critérios de verdade são preteridos pelo irrisório. Por fim, diante deste quadro analítico, procuro refletir sobre o exercício ubuesco do poder nos dias atuais, nos quais figuras políticas caricatas de extrema-direita utilizam-se de uma racionalidade paródica na tentativa de neutralizar os mecanismos de regulação de suas ações.

O ALCIBÍADES DE FOUCAULT E (D)A ERÓTICA DOS RAPAZES

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A apresentação buscará apresentar a leitura do diálogo platônico Primeiro Alcibíades por Foucault durante o curso A Hermenêutica do Sujeito (1981-1982). A fim de discutir o uso do diálogo enquanto um artífice do pensamento foucaultiano, no que tange a discussão acerca da sexualidade e das tecnologias de si. Compreender-se-á que a mobilização da leitura do diálogo platônico recobre uma certa posição da performance erótica entre as personagens do texto, enquanto uma engrenagem para a relação educativa e filosófica das técnicas de si e do cuidado de si, evocadas pela doutrina socrática-platônica no presente diálogo.

A CENTRALIDADE DA SUBJETIVIDADE NO PENSAMENTO DE FOUCAULT

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O texto pretende expor a centralidade da subjetividade no pensamento foucaultiano. Aborda o deslocamento da relação entre subjetividade e poder característica das obras dos anos 1970, como Vigiar e Punir (1975) e História da Sexualidade I - A vontade de saber (1976), em contraponto às obras dos anos 1980, tais como História da Sexualidade II – O uso dos prazeres (1984) e História da Sexualidade III – O cuidado de si (1984), onde Foucault aponta para a subjetividade como constituição de si. Na fase genealógica o autor enfoca um sujeito que é produzido pelas relações de poder e na sua última fase redimensiona a análise, com ênfase no cuidado de si, no sentido da possibilidade da produção de subjetividades que resistem aos poderes e saberes que fabricam corpos submissos e dóceis. Nesse sentido, seja enfocando um sujeito fabricado pelas relações de poder, assujeitado pelas normas sociais, seja abordando um sujeito resultante das práticas de si, que afirma a sua singularidade, a subjetividade emerge como tema central nas reflexões de Foucault.

SOBRE A “FUNÇÃO-AUTOR” EM TEMPOS DE HIPERTEXTO CIBERNÉTICO

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Pretento retomar o texto Qu’est-ce qu’un auteur de Michel Foucault (1969) para pensar a pertinência de suas proposições sobre a “função-autor” e sobre “o apagamento do autor” no contexto acadêmico contemporâneo. Em tempos de construções cada vez mais coletivizadas de textos, tanto produzidas por grupos, como ocorre no campo científico,
quanto impulsionados (quando não estruturados) em bases de inteligência artificial generativa, como considerar a “função-autor” e seu “evanescimento”? A narrativa fundamentada em plágios combinatórios de inteligência artificial, por exemplo, é “orientada” por um autor supostamente autônomo que conduz e adquire, portanto, a propriedade jurídica do texto. Esse processo tende a uma multiplicação de procedimentos e práticas narrativas e editoriais instadas a criar um autor, cujos efeitos políticos seriam patentes num modelo econométrico, promovendo a constituição de reservas acadêmicas em que a criação não mais seria que reprodução narrativa de um micropoder tecnocrático. Seria possível prescindir do autor nesse contexto (cibernético capitalístico ultra-competitivo) ou seria questão de pensar um “autor-ciborgue” hiper potente? Poderíamos conceber a exponencial coletivização tecnológica do autor como uma forma de subversão legítima da propriedade privada do texto? Seria viável ou desejável resgatar critérios de veracidade da autoria para se legitimar a função-autor para além da técnica? Eis algumas considerações políticas para se pensar a função extemporânea e ética do autor em nossos dias.

NÃO EXISTE REPRESSÃO SEXUAL: FOUCAULT, CRÍTICO DE REICH

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A partir dos textos reunidos em Généalogies de la sexualité, dentre os quais se encontra o curso ministrado na USP em outubro de 1975, pretendo trazer à discussão os motivos pelos quais Foucault entende que a “hipótese repressiva”, acompanhada da ideia de que existe uma íntima relação entre repressão sexual e capitalismo não encontra sustentação histórica. O título é uma provocação. Não se trata, evidentemente, para o
próprio Foucault, de afirmar a inexistência, pura e simples, de um nível de interdição, de proibição, no que se refere às práticas sexuais no Ocidente. O que questionável, segundo ele, é considerar que se trata disso e somente disso. Foucault tem em vista a situação das lutas em torno das questões ligadas à sexualidade no rastro do maio de 1968. Pretendo mostrar que a leitura desses textos anteriores à publicação de “A vontade de saber”, o primeiro volume da História da sexualidade, publicado em 1976, são muito mais esclarecedores para a discussão da “hipótese repressiva” e das estratégias de luta no campo da sexualidade. O que os torna também muito necessários para o debate atual.

​DISPOSITIVO HETEROCOLONIAL: UMA HIPÓTESE À LUZ DE MICHEL FOUCAULT E SUELI CARNEIRO

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Com base na concepção de dispositivo de poder de Michel Foucault e de dispositivo de racialidade de Sueli Carneiro, bem como nas análises do feminismo lésbico e decolonial, pude formular a seguinte hipótese: as relações opressivas que sustentam o capitalismo em sua estrutura racista e sexista se configuram como um dispositivo heterocolonial. Esse dispositivo tem como finalidade a opressão de corpos femininos e racializados com vistas à maximização da exploração e do lucro. O poder heterocolonial que sustenta o capitalismo poderia ser descrito como uma instituição ou regime normativo, mas seu funcionamento não se apresenta apenas nas relações institucionais e no caráter imperativo das normas. Todas as relações sociais, sejam elas institucionais ou não, estando elas mais ou menos enquadradas na normatividade são, na nossa atual sociedade ocidental, heterocoloniais, ou seja, são relações estruturalmente racistas e sexistas, hierárquicas e desiguais a serviço do regime capitalista. Assim, diante de um mundo capitalista que se define por relações estruturadas nas diversas opressões, bem como por uma devastação extrema da natureza que nos conduziu ao atual colapso ambiental, é fundamental fazermos um diagnóstico do presente que revele o funcionamento do poder, abrindo brechas para imaginarmos linhas de fugas e estratégias de resistência.

DO DOCUMENTO AO MONUMENTO: UMA PROPOSTA PARA REPENSAR O ARQUIVO

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Em maio de 1969, por ocasião do lançamento de L’Archéologie du savoir, Michel Foucault participa de um debate na rádio France Culture no qual Georges Charbonnier lhe pergunta a razão do título do livro. Foucault desfaz possíveis mal-entendidos, como a associação com os “verdadeiros arqueólogos”, esclarecendo que não se trata de “escavar” em busca de um “monumento morto”, mas de descrever o “arquivo”. Surge, então, uma ambiguidade: se, em geral, "arquivo" remete a um conjunto de documentos inertes, em Foucault o termo se desestabiliza. Na "história tradicional", os monumentos são convertidos em documentos; já na arqueologia foucaultiana, trata-se de transformar os documentos em monumentos, restituindo-lhes sua monumentalidade e desdobrando sua “massa de elementos” – como lemos na Introdução de L’Archéologie du savoir. Uma inversão que encontra eco no referido debate radiofônico, quando Foucault descreve arquivo como “a massa extraordinariamente vasta, maciça, complexa de coisas que foram ditas em uma cultura”. A reflexão é, então, deslocada para outras questões em torno do arquivo: por que certas coisas – e não outras – puderam ser ditas? Como aquilo que é dito se transforma, se desloca, se deforma? No livro, Foucault acrescenta: “o arquivo é, de início, a lei do que pode ser dito”. Propomos reler L’Archéologie du savoir a partir das transmissões radiofônicas, notas de cursos, ensaios e outros materiais recém-publicados para descrever, tensionar e desconstruir a própria noção de “arquivo”.

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